Futebol na Terra da Rainha - Capítulo 13 - Alessandro, o preparador físico brasileiro do Forest





Profissional brasileiro que se mantém com bons trabalhos em um continente com alto nível de exigência como a Europa mostra capacidade. Ainda mais no futebol. Esse é o caso de Alessandro Schoenmaker, que não faz parte da extensa lista de atletas espalhada e estabelecida no Velho Continente. Alessandro, 32 anos, é preparador físico do Nottingham Forest, tradicional clube inglês que já foi bicampeão europeu e que hoje, na Championship, a segundona da Inglaterra, sonha com o retorno à elite inglesa, de onde está longe desde a temporada 1998/1999.

Após uma passagem de sucesso pelo futebol holandês, onde trabalhou no Utrecht e no Twente, Alessandro seguiu com o treinador inglês Steve McClaren, que conheceu no Twente, para o Wolfsburg, na Alemanha. No início da atual temporada, McLaren foi contratado pelo Forest e convidou o brasileiro, que vive pela primeira vez a experiência de trabalhar na Inglaterra. McClaren já não dirige mais o Forest, atual 22º colocado da Championship, mas Alessandro segue na comissão técnica, agora comandada pelo inglês Steve Cotterill.

Vista do City Ground, a casa do Forest: tradição a toda prova

Em uma entrevista exclusiva, feita em Nottingham, Alessandro me falou da experiência na Europa, dos primeiros dias de Inglaterra e do trabalho com Steve McClaren, entre outras curiosidades. Em breve, em um outro post, vou mostrar o local de trabalho de Alessandro, o centro de treinamento do Nottingham Forest. Confira, abaixo, a entrevista com o preparador físico:

Frederico Jota: Quais as primeiras impressões dessa experiência na Inglaterra?
Alessandro Shoenmacker: Os campeonatos daqui da Inglaterra são comparavéis aos da Alemanha. A Championship pode ser comparada inclusive em velocidade e intensidade de jogo, na participação da torcida e até mesmo na maneira de jogar. Sem falar que na Championship, cerca de 80%, 90% dos estádios ficam lotados. Por ser um país tradicional, a Inglaterra preserva aquilo que é tradicional, como o vestiário pequeno, a torcida bem perto. Tem seu charme, mas é diferente do que vivi na Holanda e na Alemanha. Mas eu acho super legal, a torcida encostada no gramado e a maneira como eles torcem. Ainda sou muito "holandês", com muitas regras e tudo muito certinho. Na Inglaterra existem menos regras do que na Holanda e na Alemanha. Mas estou adaptado, são 11 anos de Europa.

FJ: Como é trabalhar em um clube que tem uma história como a do Nottingham Forest?
AS: Tenho noção do tamanho do clube e da história. Eu sabia que pesa muito esse histórico e pesou ainda mais no início, na época do McClaren, por ele ser um técnico inglês. Aí a cobrança é em dobro. Mas como o clube está há anos longe da Premier League, a diretoria não quer resultado imediato e, por isso, prioriza contratos de três anos.

No CT do Forest: adaptado à Europa

FJ: Como foi trabalhar com o McClaren?
AS: Ele é experiente, passou por todas as etapas de um treinador. Alguns viram manager direto, mas ele terminou sua carreira de jogador relativamente cedo, por lesão, e começou como treinador nas categorias de base, depois virou assistente e treinador do segundo time antes de ser manager de um clube menor, o Oxford. Depois, trabalhou com o Ferguson no Manchester United, quando teve seu maior aprendizado. Ele sabe como trabalhar com jogador top e com jogadores mais simples. Taticamente, é um dos melhores com os quais trabalhei, não se deixa levar pela emoção do jogo e nem pelo resultado. É focado e sempre tira lições de derrotas. Até nos piores jogos, acha pontos positivos, o que é importante. Eu o acompanhei por opção pessoal.

FJ: Quais as principais mudanças profissionais que percebeu na Inglaterra?
AS: Aqui tem muita coisa cultural, como, por exemplo, os dois dias de folga na semana. Entrei em contato com outros profissionais para saber o motivo e ninguém me deu uma razão, pois se trata de algo cultural, que há 50 anos era assim também. Aos poucos, tento mudar, dando uma folga por semana. Para mim, o mais importante é o dia após o jogo, porque dá para rever a partida e discutir o deu certo e o que deu errado. Além disso, jogadores que tiveram algum problema não precisam esperar mais tempo para fazer tratamento, o que ajuda na recuperação. Na Inglaterra, tem muitos jogos sábado e terça, na sequência. Se der a folga no domingo, o jogador chega na segunda-feira e não quer treinar porque sente dores. Faltando um dia, a gente perde o atleta. Tratando no domingo, a recuperação é acelerada e o jogador pode atuar. Mas esse é um longo processo. Introduzimos no Forest psicólogo e nutricionista e também o hábito de os jogadores almoçarem juntos. Antes eles treinavam, iam para o vestiário, tomavam banho, comiam e iam embora e só tinham nutricionistas individuais. Agora, não, todos pesam, por exemplo. A ideia é fazer uma evolução, não uma revolução. E aos poucos, para não bater a cabeça.
Alessandro teve experiências profissionais na Holanda e na Alemanha antes de chegar à Inglaterra

FJ: Você deixou o Twente em um bom momento para ter uma passagem difícil no Wolfsburg. Se arrepende da mudança? Como foi a experiência na Alemanha?
AS: Não me arrependo da experiência porque o campeonato é de alto nível. O Alemão talvez seja o segundo melhor do mundo, depois do Inglês, e a atmosfera de jogos é a melhor possível, sempre com estádios lotados. O respeito entre torcedores não tem comparação, assim como entre os profissionais. Todo treino tem 200 torcedores assistindo. É uma grandeza.

FJ: É mais difícil trabalhar com jogadores de seleção, como os que tinham no elenco do Wolfsburg?
AS: É mais fácil trabalhar com jogadores de alto nível. Quanto mais alto o nível, mais fácil, porque eles são mais profissionais, sabem do que necessitam, o que querem e o que precisam. O melhor lugar do mundo para se trabalhar na área de preparação física é a Alemanha. Os alemães gostam do trabalho físico. Sempre tem jogadores que pedem para trabalhar mais após o treino e nunca reclamam. Além disso, chegam cedo e não precisamos ficar controlando o peso, entre outras coisas positivas. Isso acontece de maneira geral na Europa, mas na Alemanha de forma mais intensa.

Detalhe do belo City Ground, estádio do Forest, no nordeste da Inglaterra

FJ: Como é a pré-temporada dos clubes europeus? Eles vão até ao limite com os jogadores?
AS: É diferente, pois cada país tem sua cultura. Na Holanda, todos os clubes têm até mais de um preparador físico e a confederação trabalha com a reciclagem. Já está melhorando. Agora não tem mais essa de matar o jogador na pré-temporada. No Wolfsburg, os jogadores trabalharam com Felix Magath, que mata o jogador na pré-temporada e quer "sobreviventes" no final da temproada. Pode ser o melhor jogador que seja. Se não sobreviver aos treinamentos, não serve. Essa é a filosofia dele. Na Alemanha, de forma geral, a filosofia era correr e não estavam acostumandos a trabalho físico com bola. Primeiro, observo a cultura do país e do clube e, aos poucos, mudo os pontos que acho importante mudar e adapto. Na Alemanha, eles correm no bosque, isso é cultural, não pode tirar. Respeitei a cultura deles. Na Europa, os clubes têm uma padronização de muito tempo. Os clubes holandeses, por exemplo, têm uma filosofia semelhante e todos se adaptam melhor quanto trocam de clube. Na Alemanha, existem métodos gerais, mas não o específico de cada clube.

FJ: Quais as principais dificuldades que os brasileiros têm ao viverem na Europa?
AS: Os jogadores não podem esperar que vão ter a mesma forma de trabalho aqui, ou as mesmas regalias. Muitos que são estrelas no Brasil, aqui são parte de um grupo, uma das estrelas. Vai ter que treinar como os outros. A língua é um problema, assim como o clima, dependendo de onde vai. Na Europa, não tem jeitinho brasileiro de conduzir. Aqui eles poem o dedo na ferida. Tem quem se adapta e os que não se adaptam.

Confira os outros capítulos da série
Capítulo 1 - Craven Cottage, o estádio do Fulham
Capítulo 2 - No Notts County, o clube mais antigo da Inglaterra
Capítulo 3 - Nottingham Forest e o City Ground
Capítulo 4 - Leyton Orient e seu Matchroom Stadium
Capítulo 5 - Wembley, capital mundial do futebol
Capítulo 7 - Vendo um jogo da Champions League no Emirates
Capítulo 8 - Onde a FA foi fundada e as regras do futebol, unificadas
Capítulo 9 - Stamford Bridge, um senhor de 135 anos de idade
Capítulo 10 - Old Trafford, o teatro dos sonhos
Capítulo 11 - Carling Cup no Loftus Road, do QPR
Capítulo 12 - Goodison Park e suas únicas histórias

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